A Morta, de Guy de Maupassant

por Diego Quadros
8 minutos de leitura

Eu a amara loucamente! Por que amamos? Por que amamos? Como é estranho enxergar apenas um ser no mundo, ter apenas um pensamento na mente, apenas um desejo no coração e apenas um nome nos lábios. Um nome que surge continuamente, que nasce das profundezas da alma como água numa fonte, que sobe aos lábios, que se repete, que sussurramos por toda parte sem parar, como uma prece.

Não contarei nossa história, pois o amor só tem uma, que é sempre a mesma. Eu a conheci e a amei. Isso é tudo. E, durante um ano inteiro, vivi em sua ternura, em suas carícias, em seus braços, em seus vestidos, em suas palavras, tão envolvido, atado, aprisionado em tudo que vinha dela, que já nem sabia se era dia ou noite, se eu estava vivo ou morto, nesta nossa velha terra ou em outro lugar.

E então ela morreu. Como? Não sei. Não sei mais. Em certa noite, ela voltou para casa toda molhada, chovia forte. No dia seguinte, tossiu, tossiu por cerca de uma semana, e ficou de cama. O que aconteceu não lembro agora, mas os médicos vinham, receitavam e iam embora. Mandavam remédios que uma enfermeira a fazia tomar. Suas mãos estavam quentes, sua testa, ardente, seus olhos, brilhantes e tristes. Quando falava com ela, respondia-me, mas não lembro o que conversávamos. Esqueci tudo, tudo, tudo! Ela morreu, e me lembro muito bem de seu suspiro leve e fraco. A enfermeira disse: “Ah!” e eu entendi, entendi!

Eu não sabia de mais nada, nada. Vi um padre, que disse: “Sua amante?” Pareceu-me que a insultava. Como estava morta, ninguém mais tinha o direito de saber disso, e o expulsei. Veio outro, que era muito gentil e amável. Derramei lágrimas quando me falou dela.

Consultaram-me sobre o funeral, mas não lembro nada do que disseram, embora me recorde do caixão e do som do martelo quando a pregaram lá dentro. Ah! meu Deus!

Ela foi enterrada! Enterrada! Ela! Naquela cova! Algumas pessoas compareceram — amigas. Eu escapei. Corri. Andei pelas ruas e voltei para casa. No dia seguinte, parti em uma viagem.

Ontem, retornei a Paris. Quando vi meu quarto novamente, nosso quarto, nossa cama, nossos móveis, tudo o que resta da vida de um ser humano após a morte, fui acometido por outra crise tão violenta de tristeza, que estive muito perto de abrir a janela e me atirar na rua. Como não podia mais permanecer entre essas coisas, entre essas paredes que a tinham envolvido e abrigado, e que deviam conservar mil átomos dela, de sua pele e de seu hálito em suas fendas imperceptíveis, apanhei meu chapéu para fugir. Assim que cheguei à porta, passei pelo grande espelho do corredor, que ela colocara lá para que pudesse se olhar todos os dias da cabeça aos pés enquanto saía, para ver se seu visual parecia bem, se estava correto e bonito, das botinas à touca.

Parei diante daquele espelho que tantas vezes a refletira. Com tanta frequência, com tanta frequência, que ele também deve ter guardado sua imagem. Eu estava ali, trêmulo, com os olhos fixos no vidro — naquele vidro plano, profundo e vazio — que a continha inteiramente e a possuía tanto quanto eu, quanto meus olhares apaixonados. Senti-me como se amasse aquele espelho. Toquei-o, estava frio. Ah! Essa recordação! Pesaroso espelho, espelho em chamas, espelho horrível, que nos faz sofrer tantos tormentos! Felizes os homens cujos corações se esquecem de tudo o que ele contém, de tudo o que passou diante dele, de tudo o que nele se refletiu, que foi refletido no seu afeto, no seu amor! Como eu sofro!

Saí sem me dar conta, sem desejar. Fui em direção ao cemitério. Encontrei sua sepultura bem simples, uma cruz de mármore branco, com estas poucas palavras:

“Amou, foi amada e morreu.”

Ela estava ali, ali embaixo, decomposta! Que horror! Chorei, a testa contra o chão. Fiquei assim por muito tempo, muito tempo. Então, vi que escurecia e um desejo estranho, louco, desejo de um amante desesperado se apoderou de mim. Quis passar a noite, a última noite, chorando em seu túmulo. Mas poderia ser visto e expulso. Como eu conseguiria? Fui astuto, levantei-me e comecei a vagar pela cidade dos mortos. Andei, andei. Quão pequena é esta cidade em comparação com a outra, a cidade em que vivemos. E, no entanto, quão mais numerosos são os mortos do que os vivos. Queremos casas altas, ruas largas e muito espaço para as quatro gerações que veem a luz do dia ao mesmo tempo, bebem água da nascente e vinho das videiras e comem o pão dos campos.

E, por todas as gerações dos mortos, por todos aqueles degraus da humanidade que se estendem até nós, quase nada existe, quase nada! A terra os toma de volta, o esquecimento os apaga. Adeus!

No fim do cemitério habitado, de repente notei o local abandonado onde os que morreram havia muito tempo acabam se misturando ao solo, onde as próprias cruzes apodrecem, onde amanhã os recém-chegados serão colocados. Está cheio de roseiras silvestres, de ciprestes robustos e negros, um belo e triste jardim, nutrido de carne humana.

Eu estava sozinho, perfeitamente sozinho, então me agachei sob uma árvore, escondi-me completamente entre os galhos escuros e abundantes, e esperei, agarrado ao tronco, como um náufrago a um destroço.

Quando já estava bastante escuro, deixei meu refúgio. Comecei a andar suave, vagarosamente, de forma inaudível, por aquele terreno cheio de mortos. Vaguei por um longo tempo, mas não conseguia encontrá-la outra vez. Continuei com os braços estendidos, batendo nos túmulos com as mãos, os pés, os joelhos, o peito, até com a cabeça, sem conseguir encontrá-la. Tocava e sentia como um cego tateando seu caminho, senti as pedras, as cruzes, as grades de ferro, as coroas de metal e as coroas de flores murchas! Lia os nomes com os dedos, passando-os pelas letras. Que noite! Que noite! Não conseguia encontrá-la outra vez!

Não havia lua. Que noite! Estava assustado, terrivelmente assustado nestes caminhos estreitos, entre duas fileiras de sepulturas. Sepulturas! Sepulturas! Sepulturas! Nada além de sepulturas! À direita, à esquerda, à frente, à volta, por todos os lados havia sepulturas! Sentei-me em uma delas, pois não conseguia mais andar, meus joelhos estavam muito fracos. Eu podia ouvir meu coração bater! E podia ouvir outra coisa também. O quê? Um ruído confuso e inominável. Estaria o barulho em minha cabeça, na noite impenetrável ou sob aquela terra misteriosa, a terra semeada de cadáveres humanos? Olhei ao redor, mas não sei dizer quanto tempo permaneci ali. Eu estava paralisado de terror, entorpecido de medo, prestes a gritar, prestes a morrer.

De repente, pareceu-me que a laje de mármore em que estava sentado começava a se mover. Certamente, ela se movia, como se a erguessem. Com um salto, atirei-me para a sepultura ao lado e vi, sim, claramente vi a pedra onde eu estava se erguer. E o morto apareceu, um esqueleto nu, que arredava a laje com suas costas curvadas. Eu vi claramente, embora a noite estivesse muito escura. Na cruz, pude ler:

“Aqui jaz Jacques Olivant, que morreu aos cinquenta e um anos. Ele amava sua família, era gentil e honrado, e morreu na paz do Senhor.”

O morto também leu o que estava escrito em sua lápide. Em seguida, apanhou uma pedra do chão, uma pedra pequena e pontiaguda, e começou a raspar as letras com cuidado. Lentamente, apagou todas. Com as cavidades de seus olhos, olhou para o lugar onde haviam sido gravadas e, com a ponta do osso que fora seu dedo indicador, escreveu em letras luminosas, como aquelas linhas traçadas nas paredes com a ponta de um palito de fósforo:

“Aqui repousa Jacques Olivant, que morreu aos cinquenta e um anos. Ele apressou, por sua indelicadeza, a morte do pai, pois desejava herdar a fortuna, torturou a esposa, atormentou seus filhos, enganou seus vizinhos, roubou todos que podia e morreu miserável.”

Quando acabou de escrever, o morto ficou imóvel, olhando para a sua obra. Ao me virar, notei que todas as sepulturas estavam abertas, que todos os cadáveres haviam saído delas, que todos haviam apagado as mentiras inscritas nas lápides por seus parentes e as substituído pela verdade. E notei que todos haviam sido algozes de seus próximos — maliciosos, desonestos, hipócritas, mentirosos, vigaristas, caluniadores, invejosos; que roubaram, enganaram, realizaram todas as ações vergonhosas e abomináveis, aqueles bons pais, aquelas esposas fiéis, aqueles filhos devotados, aquelas filhas castas, aqueles comerciantes honestos, aqueles homens e mulheres chamados de irrepreensíveis, e eles eram chamados de irrepreensíveis, estavam todos escrevendo ao mesmo tempo, no limiar de sua morada eterna, a verdade, a terrível e sagrada verdade que todos ignoram, ou fingem ignorar, enquanto os outros estão vivos.

Imaginei que ela também devia ter escrito algo em sua lápide e, agora, correndo sem medo entre os caixões entreabertos, entre os cadáveres e os esqueletos, fui em sua direção, certo de que a encontraria imediatamente. Reconheci-a de longe, sem ver o seu rosto, coberto pela mortalha.

Na cruz de mármore, onde pouco antes havia lido: “Amou, foi amada e morreu”, agora lia: “Ao sair um dia, a fim de trair seu amante, apanhou frio e chuva, e morreu.”

 

Parece que me encontraram ao amanhecer, deitado sobre a sepultura, inconsciente.


Traduzido por Diego Quadros.


Capa da edição número 1 da antologia Insólito! Assombroso! Inimaginável!, mostrando algumas ilustrações em preto e branco de cenas grotescas.

Este conto foi originalmente publicado na edição número 1 da antologia “Insólito! Assombroso! Inimaginável!”, do selo editorial independente Ficções Pulp!, e se encontra disponível na Amazon por um preço simbólico.

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